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Foto do escritorEmilo Rodrigues Nt

O mercado dos jogos eletrônicos para além de grandes empresas

Neste espaço, venho escrevendo sobre o jogo eletrônico e sobre seus impactos (ou possibilidades) nas pesquisas de um modo geral. Em “Jogo Eletrônico, E-sport ou apenas jogo” foi feito um esforço para o compreendimento do que se esperar dessas nomenclaturas para o fenômeno, já mais adiante em “Devaneios sobre o mercado e as (não) possibilidades de pesquisa no campo do Lazer” o debate se abriu para o modo no qual o mercado desses jogos envoltos no mundo capitalista teria espaço no campo das ciências sociais. Neste último esforço, o foco foi dado nas grandes economias, as quais estão razoavelmente distantes de nós, meros mortais.

Todavia, como dito na última escrita citada “podemos observar que para além das bilionárias cifras movimentadas pelas grandes empresas, existem subsistemas que geram renda e poderiam ser de nosso interesse de estudo, podendo citar: troca e venda de itens dos jogos entre os usuários, venda de contas de níveis altos, apostas, streams, produtores de conteúdo, produção de souvenirs, vestimentas e acessórios com este tema, entre outros. Estes e muitos outros estão imersos num mercado global, geram rendas próprias e colaboram para a movimentação da economia, principalmente a local, além de proporem novos significados para aquelas práticas.” E é sobre isso que buscaremos exemplificar nesta escrita.

Segundo informes de empresas especializadas (PGB, Prodege, SuperData, NewZoo) o mercado dos jogos digitais vem apresentando aumentos de sua receita nos últimos anos. Inclusive em 2020 e 2021, anos caracterizados pela pandemia e queda de diversos negócios, este permanece em alta. Todavia, os números não podem ser tratados apenas a partir dos grandes produtores e desenvolvedores de jogos e máquinas, mesmo que detenham grande parte da fatia da renda gerada. Há numa outra ponta um “mercado paralelo” pautado não em grandes marcas, “CNPJ’s”, mas sim em pessoas comuns, baseado em “CPF’s”.

Estes indivíduos não podem ser invisibilizados, tanto pela mídia quanto pelos estudos. Neste espectro, como dito anteriormente, podemos incluir os jogadores de esporte eletrônico, os streamers (pessoas que realizam transmissões ao vivo sobre os jogos digitais), criadores de conteúdo para internet, apostadores, pequenos empresários, produtores de souvenirs e artigos relacionados aos jogos digitais. Eles são responsáveis por girar microeconomias locais numa espécie de contraponto e liberdade paralela aos gigantes do mercado. Tal movimento, ao que parece, carece de estudos voltados para seu entendimento, incentivo e desenvolvimento. Uma vez que muito se lê sobre os números produzidos pelas empresas dominantes do mercado e pouco se debruça sobre estes sujeitos que ao produzir seus próprios conteúdos e conhecimentos são componentes de um processo de liberdade contra-hegemônico.

Para avançarmos, é preciso frisar que estou entendendo que uma das características fundamentais para a legitimação de uma manifestação como esporte passa pela sua monetização, ou seja, geração de renda por meio de sua prática. Dessa forma, tanto os campeonatos organizados, transmissões, mas também iniciativas individuais são importantes para a verificação do jogo eletrônico enquanto esporte. Assim sendo, farei aqui uma breve apresentação de algumas das possibilidades de mercado nos games que podem inclusive tornar-se foco de pesquisas.

Os jogadores profissionais, conhecidos como ProPlayers, são talvez o exemplo mais concreto de profissionalização ou esportivização do jogo. Eles são pagos para competir, fazer propagandas e interagir com os fãs. Possuem rotinas semelhantes a outros atletas de qualquer modalidade como treinamentos táticos, técnicos, físicos e psicológicos. Atualmente, a remuneração destes atletas vai depender (assim como em outros esportes ditos tradicionais) do país em que joga e da fama de seu time. Em geral, jogadores que atuam na Europa e Estados Unidos possuem uma remuneração e condições de trabalho bem melhores que aqueles situados na América do Sul. A título de informação, neste ano os jogadores brasileiros, em diversos games, alcançaram um montante de quase 5 milhões de dólares em premiações de campeonatos. O impacto do jogo na vida dessas pessoas, suas origens e suas condições socioeconômicas poderiam, por exemplo, compor uma pesquisa.

Os streamers são as pessoas que geram conteúdo de games em plataformas de transmissão ao vivo. Em geral, eles transmitem os jogos de campeonatos oficiais, fazem narração, comentários e também, de forma similar à uma grade de televisão, possuem uma programação com diversos quadros que incluem jogos de alto nível, dicas e truques, conversas com fãs, cotidiano, “rinha de pratas”[1] e transmissão de assuntos não relacionados ao mundo dos games. Em geral, os streamers se concentram em dois grandes sites: a “Twitch” e o “Youtube”. Interessante frisar que não existe grande restrição para começar tal prática, bastando apenas ter uma conta criada de forma gratuita nestes sites e computador ou celular compatíveis. Para geração de renda, ambos oferecem ferramentas de inscrição gratuita e paga, propagandas (tanto geradas automaticamente pelo site, quanto vindas de parcerias dos streamers), doações feitas por espectadores para que suas mensagens sejam lidas ou destacadas e patrocínios. O estilo de vida, impacto na exposição de seus cotidianos, influência e mudança de hábitos aparecem como boas oportunidades para serem estudadas a partir destes indivíduos.

O mercado de skins. Skin pode ser traduzida como pele, nos jogos elas dão distinção, modificando a aparência de algum utensílio ou até mesmo do próprio personagem. Em via de regra, elas não oferecem nenhum ganho adicional em jogabilidade como poder extra, invencibilidade ou algo do tipo, tratando-se apenas de um fator estético. Ramos et al (2017) vai chamar a compra destes artigos de “PAY TO BE” ou seja, pagar para ser. Entendendo que quem as compra está em busca de exclusividade, distinção até mesmo validação de suas habilidades como jogador. A compra e venda, chamadas de microtransações, destes itens se desenvolvem a partir de duas frentes: dentro e fora do jogo. Para a realização da compra na plataforma do jogo é necessário depositar a quantia dentro da mesma e para a venda o dinheiro não pode ser sacado novamente, mas permanecerá na conta daquele indivíduo que vendeu algum item como se fossem créditos. Neste caso, as grandes empresas continuam a ganhar e acumular todo o capital, uma vez que o dinheiro não pode ser recuperado e ainda cobram algumas taxas.

Todavia, há possibilidade de fazer as transações externamente aos jogos e suas plataformas, sendo possível apontar sites de apostas e sites no formato de lojas, como exemplo. Os primeiros funcionam de inúmeras maneiras, dentre elas no estilo de cassinos nos quais depositamos dinheiro (ou as próprias skins) para jogar roletas, blackjack e outros jogos de azar; no estilo de casas de apostas vinculadas aos campeonatos, nas quais os entusiastas apostam por meio dinheiro e skins em vitórias, derrotas e jogadas. Já os sites no formato de lojas expõem os itens, o interessado deposita/transfere o dinheiro (como uma compra qualquer na internet) e o site faz a transferência da skin para a conta do indivíduo dentro do jogo. As pessoas procuram estes sites pois, em geral, as skins são mais baratas. Além disso, também há possibilidade de vender os próprios itens, neste caso a loja faz uma transferência bancária para o jogador que repassa o artigo para a mesma. Vale ressaltar que tais microtransações nem sempre são tão “micro” assim, variando seu valor de 2 centavos até mais de 6 milhões de reais [2].

Fig 1 – Comparativo estético de 2 facas do jogo Counter Strike: Go.

Para além dos mercados que envolvem o jogo diretamente, também cito aqueles que surgem paralelamente ao game. Tais como a comercialização de vestimentas como uniformes dos times, camisas, calças, toucas que fazem alusão às marcas e itens do jogo, souvenirs como luminárias, mousepads, artigos de decoração que também trazem elementos dos jogos. Nestes casos, o mercado se desenvolve fora do ambiente virtual, traz consigo as marcas e linguagens, todavia é possível ver que a influência do game consegue extrapolar os “muros” dos computadores.

O intuito desta escrita não foi aprofundar no mercado paralelo dos jogos eletrônicos destrinchando cada ponto a ser pesquisado, o que pretendi aqui foi apontar poucas das inúmeras iniciativas que fogem às grandes empresas e que merecem a atenção de pesquisas para conseguirmos desvelar o mundo dos jogos que extrapola as telas e impacta na vida cotidiana de pessoas comuns, que podem inclusive gerar renda e empregos.

[1] Rinha de pratas, esse termo é uma anedota que reúne dois elementos. “Prata” diz respeito ao nível baixo de jogadores (no jogo Counter Strike há uma divisão de jogadores por níveis de habilidade, na qual o nível Prata é o mais baixo); e “Rinha” se refere à “Rinha de Galo” prática ilegal e sem regras. Nas “Rinhas de Pratas” a geração de conteúdos por meio, principalmente, de momentos engraçados se faz mais importante que a própria qualidade das jogadas em termos de habilidade. Esse tipo de quadro, faz um contraponto bem-humorado aos jogos de campeonatos profissionais. Deste modo, as pessoas se reúnem para assistir não a jogadores habilidosos, mas sim a jogadores com pouca habilidade dentro do jogo que proporcionam de certa forma jogadas inusitadas.

[2] No caso de uma faca no jogo Counter Strike: Go que possuí características raras. Disponível em: https://ge.globo.com/esports/csgo/noticia/csgo-skin-mais-cara-do-mundo-e-avaliada-em-r-62-milhoes.ghtml. Acesso em 02 de nov. 2021.

REFERÊNCIA

RAMOS, C, M. et al. O consumo in-game: Uma análise comparativa de duas modalidades de compra em MMO’s. In: 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2017, Curitiba. Anais … Curitiba: INTERCOM, 2017

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